No dia 21 de dezembro de 2017 eu estava assistindo à transmissão ao vivo em Miami do evento de nomeação do mais novo navio da MSC, o MSC Seaside. Durante a cerimônia de inauguração o prefeito da Grande Miami, Carlos Giménez, subiu ao palco e fez um breve discurso agradecendo à empresa pelo grande investimento feito na Capital Mundial dos Cruzeiros e deu algumas informações sobre a importância daquele porto para a região. Confira estas partes que chamaram a minha atenção:
"[...] O nosso porto marítimo contribui com bilhões de dólares todos os anos para a economia local; mais de 40 bilhões de dólares. Inclusive ele é o segundo maior gerador econômico da Grande Miami, na área sul da Flórida. Ele diretamente ou indiretamente é responsável por mais de 300 mil empregos aqui nessa área. Isso é o quão importante esse porto é para nós. Isso mostra o quão importante é para nós mantermos a nossa marca da Capital Mundial dos Cruzeiros e também estamos aumentando a nossa capacidade e trânsito de carga [...] E é por isso que nós investimos tão pesadamente tanto no aeroporto quanto no porto marítimo, porque eles são os dois maiores geradores econômicos da região e a vida de centenas de milhares de pessoas e o bem-estar delas dependem da competitividade e da viabilidade desses dois portos. [...]"
Em dezembro de 2013 eu escrevi uma publicação falando sobre a preocupante situação do mercado de cruzeiros no Brasil naquela época, prevendo uma queda na quantidade de navios nos próximos anos (eram nove na temporada 2013/2014) devido à indiferença dos Governos em relação a esse importante setor econômico. Os problemas que davam base a essa previsão eram a infraestrutura insuficiente e o custo de operação abusivo. Infelizmente hoje, mais de quatro anos depois, isso se confirmou e apenas seis estão navegando por aqui agora. De 2004 a 2010 a quantidade de navios mais que triplicou aqui no Brasil e em 2017 nós voltamos para o mesmo número de 2004. Mais triste ainda é que os mesmos problemas continuam. Diversos dos mesmos Calcanhares de Aquiles - no plural - estão muito bem instalados há décadas neste país.
Ver Miami e tantos outros destinos, como Emirados Árabes Unidos e China, investindo pesado para atrair mais navios enquanto o Brasil faz de tudo para expulsar as "galinhas dos ovos de ouro" é no mínimo revoltante.
Ver Miami e tantos outros destinos, como Emirados Árabes Unidos e China, investindo pesado para atrair mais navios enquanto o Brasil faz de tudo para expulsar as "galinhas dos ovos de ouro" é no mínimo revoltante.
E não é só para os cruzeiros que a péssima gestão traz consequências negativas. Os investimentos feitos em Miami, como comentado por Carlos Giménez no evento, também são voltados para o trânsito de cargas, sendo ele o responsável pela maior parte da receita. Aqui no Brasil temos o histórico problema, desde o governo de Juscelino Kubitschek, do uso excessivo das rodovias para praticamente todo o transporte terrestre. Os caminhões, em vez de transportarem para um trem, levam os containeres até o destino final, degradando as estradas, aumentando o trânsito e tornando o frete mais caro e demorado. Isso é um dos motivos que está levando grandes porta-containeres a ficarem até meses ancorados na frente do porto de Santos enquanto esperam o lento processo de descarregamento e carregamento dos demais navios ser concluído para terem um berço de atracação disponível.
Somado a isso, os navios de carga estão encontrando problemas até para entrar em alguns portos. O porto do Recife, um dos mais importantes para a entrada e saída de mercadorias do Brasil para a Europa e os EUA, é um exemplo disso. Há anos foi solicitado do Governo Federal recursos para os projetos já prontos de dragagem e parece que só agora, no fim de 2018, com recursos do Ministério dos Transportes, vamos ver essas obras sendo realizadas. O problema é que a área do porto está tão assoreada - a última dragagem foi feita em 2012 - que os navios maiores não conseguem mais entrar no porto totalmente carregados, então as empresas precisam carregá-los com apenas parte da sua capacidade usada ou trazer navios menores, o que encarece todo o processo. “Atualmente, navios que poderiam carregar até 50 mil toneladas de açúcar deixam o estado com 30 mil toneladas e seguem para completar o carregamento em outros estados nordestinos”, disse Carlos Vilar, presidente do porto do Recife, à Folha PE.
Enquanto nós não conseguimos recursos sequer para fazer o básico, manter os portos operáveis, vamos voltar a falar do assunto que me fez escrever esta publicação: o porto de Miami.
A Royal Caribbean International é a companhia dona da classe Oasis, aquela com os maiores navios de cruzeiro do mundo, passando das 220 mil toneladas de arqueação bruta cada. Hoje nem o porto de Miami tem capacidade de receber um navio desse tamanho, mas a Royal demonstrou, há alguns anos, interesse em operar um de seus navios dessa classe por lá. Os governantes daquela área, o Condado de Miami, imediatamente se mostraram prontos a criar todas as condições necessárias para recebê-lo. O resultado é que neste momento está sendo construído um terminal de cruzeiros no valor de 247 milhões de dólares, com recursos da Royal Caribbean, para suportar a classe Oasis, e o governo de Miami desembolsou 15 milhões de dólares para construir novas ruas até o terminal e cuidar de toda a área ao redor dele.
O resultado dessa parceria público-privada é que, apesar de o governo estar "gastando" tanto dinheiro agora, esse terminal irá movimentar 1,8 milhão de turistas anualmente e terá um impacto previsto de 500 milhões de dólares na área e a criação de 4 mil novos postos de trabalho. Com uma taxa de 5,5 dólares por passageiro, o governo terá uma receita de 9,5 milhões de dólares por ano. Desembolsar quantias como essa para operações desse tipo não é um gasto, é um investimento com resultados rápidos. Na temporada 2010/2011 no Brasil, quando tínhamos 20 navios, a Fundação Getúlio Vargas e a ABREMAR fizeram um levantamento do impacto econômico dos cruzeiros e chegaram ao resultado de que "os impactos totais (diretos e indiretos dos armadores e dos cruzeiristas) foram de R$1,4 bilhão, sendo R$893,5 milhões gerados pelos gastos dos armadores com compras de suprimentos, custos portuários e combustíveis e R$522,5 milhões gerados pelos gastos dos cruzeiristas nos portos de embarque/desembarque e de trânsito." Apenas o comércio varejista e o setor de alimentos e bebidas brasileiros tiveram receita de 327,7 milhões de reais durante essa temporada; somado a isso, 12,5% dos quase 800 mil passageiros eram estrangeiros, o que traz divisas para o Brasil e fortalece a imagem do país como um destino de viagem.
Outro ponto que continua ameaçando a volta dos navios ao
Brasil são as famosas taxas portuárias e o custo geral de operação.
Todos já sabemos que muitos dos nossos portos têm as taxas de atracação e embarque/desembarque de passageiros
mais caras do planeta, inclusive o primeiro lugar é nosso: Salvador.
Além disso, tudo o que é necessário para a operação de um cruzeiro também
é caro por aqui! Desde os alimentos ao combustível do navio, tudo custa
mais que diversos outros destinos ao redor do mundo e quase tudo é de qualidade inferior; por isso que muitas pessoas percebem que as refeições em um navio da mesma companhia são melhores nos EUA do que no Brasil.
Somado a isso, os navios de carga estão encontrando problemas até para entrar em alguns portos. O porto do Recife, um dos mais importantes para a entrada e saída de mercadorias do Brasil para a Europa e os EUA, é um exemplo disso. Há anos foi solicitado do Governo Federal recursos para os projetos já prontos de dragagem e parece que só agora, no fim de 2018, com recursos do Ministério dos Transportes, vamos ver essas obras sendo realizadas. O problema é que a área do porto está tão assoreada - a última dragagem foi feita em 2012 - que os navios maiores não conseguem mais entrar no porto totalmente carregados, então as empresas precisam carregá-los com apenas parte da sua capacidade usada ou trazer navios menores, o que encarece todo o processo. “Atualmente, navios que poderiam carregar até 50 mil toneladas de açúcar deixam o estado com 30 mil toneladas e seguem para completar o carregamento em outros estados nordestinos”, disse Carlos Vilar, presidente do porto do Recife, à Folha PE.
Enquanto nós não conseguimos recursos sequer para fazer o básico, manter os portos operáveis, vamos voltar a falar do assunto que me fez escrever esta publicação: o porto de Miami.
Novo terminal da RCCL terá 15800 metros quadrados. |
O resultado dessa parceria público-privada é que, apesar de o governo estar "gastando" tanto dinheiro agora, esse terminal irá movimentar 1,8 milhão de turistas anualmente e terá um impacto previsto de 500 milhões de dólares na área e a criação de 4 mil novos postos de trabalho. Com uma taxa de 5,5 dólares por passageiro, o governo terá uma receita de 9,5 milhões de dólares por ano. Desembolsar quantias como essa para operações desse tipo não é um gasto, é um investimento com resultados rápidos. Na temporada 2010/2011 no Brasil, quando tínhamos 20 navios, a Fundação Getúlio Vargas e a ABREMAR fizeram um levantamento do impacto econômico dos cruzeiros e chegaram ao resultado de que "os impactos totais (diretos e indiretos dos armadores e dos cruzeiristas) foram de R$1,4 bilhão, sendo R$893,5 milhões gerados pelos gastos dos armadores com compras de suprimentos, custos portuários e combustíveis e R$522,5 milhões gerados pelos gastos dos cruzeiristas nos portos de embarque/desembarque e de trânsito." Apenas o comércio varejista e o setor de alimentos e bebidas brasileiros tiveram receita de 327,7 milhões de reais durante essa temporada; somado a isso, 12,5% dos quase 800 mil passageiros eram estrangeiros, o que traz divisas para o Brasil e fortalece a imagem do país como um destino de viagem.
Créditos: Abremar/FGV. Clique para ampliar |
Nós estamos
acompanhando vários destinos novos surgindo, como a China, que investiram em
infraestrutura, cortaram custos para as operadoras e lançaram diversos
incentivos para que as empresas levassem seus navios para lá. Resultado:
diversas companhias estão até construindo novos navios especificamente
para o mercado chinês. E o Brasil, com essa política econômica, está
perdendo espaço para eles também. Vale mesmo a pena ganhar agora n vezes mais com
taxas portuárias abusivas mas amanhã os navios partirem daqui justamente por causa
disso?
Outra questão que ainda persiste é a trabalhista: a necessidade de contratar pelo menos 25% de tripulantes brasileiros para poder operar na nossa costa. Por um lado isso é bom porque um navio com 1000 tripulantes já garante emprego para 250 brasileiros e ainda é melhor para nós, passageiros, encontrarmos a bordo mais funcionários que falam o nosso idioma. O problema é que essas contratações também são caras e trabalhosas. Ter que fazer isso sempre que for voltar para o Brasil, incluindo a capacitação de novas pessoas e o pagamento de passagens aéreas até o porto de embarque, tornam a operação aqui ainda mais custosa e burocrática. Esse é mais um motivo para as empresas desistirem de voltar para cá e irem para outros destinos onde não é preciso mudar a grade de funcionários. Você já deve ter entendido o resultado disso: exigir contratar aquela parcela de brasileiros para trabalhar a bordo pode ser o motivo para um navio deixar de vir e movimentar a economia como um todo, já que os impactos econômicos não se restringem aos portos nem às cidades onde eles atracam. Mais um exemplo para comprovar isso: na temporada 2010/2011 foram contratados 5600 brasileiros para trabalhar a bordo, mas em terra foram 15 mil novos empregos gerados direta ou indiretamente. Entende? Apesar de ter garantido emprego para 5600 brasileiros, na melhor temporada da história, as burocracias e custos envolvidos nisso podem fazer com que as companhias desistam de vir ao Brasil e aqueles 15 mil novos empregados em terra e os outros milhares que já trabalhavam e foram impactados com os cruzeiros deixem de ter esses navios por aqui.
Mais uma consequência negativa para os brasileiros são os preços dos cruzeiros. Em qualquer área da economia onde há livre mercado, ou algo próximo disso, a concorrência traz benefícios para o consumidor. O monopólio faz com que a empresa possa praticar preços mais altos por ser a única disponível para oferecer um determinado produto ou serviço; quanto mais concorrentes, maior a quantidade de promoções e redução de preços para atrair clientes.
Na temporada 2017/2018 o Brasil está com apenas duas companhias de cruzeiros que trouxeram seus navios (MSC e Costa) e um fretado (o Sovereign, pela CVC). Isso resulta em uma quantidade reduzida de leitos, o que está fazendo com que os navios partam com 100% de lotação ou quase cheios em todas as saídas. Dessa forma, com uma alta demanda e uma baixa oferta, as empresas podem praticar preços mais altos. Em Miami, como comparação, é normal ter 6 ou 7 navios embarcando passageiros em um só dia, então as promoções por lá são muito frequentes e as viagens ficam com preços extremamente competitivos.
O que melhorou nos últimos quatro anos
Nesse período, no entanto, tivemos algumas conquistas. Devido à Copa do Mundo de 2014 diversos terminais marítimos de cruzeiros foram reformados e estão com uma estrutura melhor que antes, mas ainda, sem exceção, insuficiente nos portos de embarque e desembarque.
A nova Lei de Migração, aprovada no primeiro semestre de 2017 e com entrada em vigor - ainda que de forma mal implantada - no mês de novembro, facilitou a questão das dificuldades encontradas pelas companhias em relação à burocracia trabalhista. Antes dela era necessário pagar taxas consulares e ao Ministério do Trabalho por todos os tripulantes estrangeiros que estivessem a bordo. Isso resulta em uma economia de até 500 mil reais na operação de um navio por aqui.
Será possível os nossos governantes reverem essas práticas anti-econômicas e nós voltarmos a ter um crescimento? Conseguiríamos voltar aos 20 navios da temporada 2010/2011 e trazer com eles todos os benefícios sociais e econômicos para o nosso país? Ou ir além e fazer como a China, que era um destino fora das conversas sobre cruzeiros e que hoje é um dos que mais crescem no mundo e é notícia em todas as revistas e sites especializados no assunto? Neste ano ocorreu uma reunião em Brasília com os principais responsáveis do setor, algo bom por mostrar que há uma movimentação para tentar reverter essa realidade. Vamos, mais uma vez, esperar para ver. Eu, quatro anos depois, mais uma vez não vejo um futuro promissor nos próximos anos.
Copyright © RG Cruzeiros. All rights reserved. Imagens e Textos com direitos reservados. Rodrigo Guerra
Outra questão que ainda persiste é a trabalhista: a necessidade de contratar pelo menos 25% de tripulantes brasileiros para poder operar na nossa costa. Por um lado isso é bom porque um navio com 1000 tripulantes já garante emprego para 250 brasileiros e ainda é melhor para nós, passageiros, encontrarmos a bordo mais funcionários que falam o nosso idioma. O problema é que essas contratações também são caras e trabalhosas. Ter que fazer isso sempre que for voltar para o Brasil, incluindo a capacitação de novas pessoas e o pagamento de passagens aéreas até o porto de embarque, tornam a operação aqui ainda mais custosa e burocrática. Esse é mais um motivo para as empresas desistirem de voltar para cá e irem para outros destinos onde não é preciso mudar a grade de funcionários. Você já deve ter entendido o resultado disso: exigir contratar aquela parcela de brasileiros para trabalhar a bordo pode ser o motivo para um navio deixar de vir e movimentar a economia como um todo, já que os impactos econômicos não se restringem aos portos nem às cidades onde eles atracam. Mais um exemplo para comprovar isso: na temporada 2010/2011 foram contratados 5600 brasileiros para trabalhar a bordo, mas em terra foram 15 mil novos empregos gerados direta ou indiretamente. Entende? Apesar de ter garantido emprego para 5600 brasileiros, na melhor temporada da história, as burocracias e custos envolvidos nisso podem fazer com que as companhias desistam de vir ao Brasil e aqueles 15 mil novos empregados em terra e os outros milhares que já trabalhavam e foram impactados com os cruzeiros deixem de ter esses navios por aqui.
Mais uma consequência negativa para os brasileiros são os preços dos cruzeiros. Em qualquer área da economia onde há livre mercado, ou algo próximo disso, a concorrência traz benefícios para o consumidor. O monopólio faz com que a empresa possa praticar preços mais altos por ser a única disponível para oferecer um determinado produto ou serviço; quanto mais concorrentes, maior a quantidade de promoções e redução de preços para atrair clientes.
Na temporada 2017/2018 o Brasil está com apenas duas companhias de cruzeiros que trouxeram seus navios (MSC e Costa) e um fretado (o Sovereign, pela CVC). Isso resulta em uma quantidade reduzida de leitos, o que está fazendo com que os navios partam com 100% de lotação ou quase cheios em todas as saídas. Dessa forma, com uma alta demanda e uma baixa oferta, as empresas podem praticar preços mais altos. Em Miami, como comparação, é normal ter 6 ou 7 navios embarcando passageiros em um só dia, então as promoções por lá são muito frequentes e as viagens ficam com preços extremamente competitivos.
O que melhorou nos últimos quatro anos
Nesse período, no entanto, tivemos algumas conquistas. Devido à Copa do Mundo de 2014 diversos terminais marítimos de cruzeiros foram reformados e estão com uma estrutura melhor que antes, mas ainda, sem exceção, insuficiente nos portos de embarque e desembarque.
A nova Lei de Migração, aprovada no primeiro semestre de 2017 e com entrada em vigor - ainda que de forma mal implantada - no mês de novembro, facilitou a questão das dificuldades encontradas pelas companhias em relação à burocracia trabalhista. Antes dela era necessário pagar taxas consulares e ao Ministério do Trabalho por todos os tripulantes estrangeiros que estivessem a bordo. Isso resulta em uma economia de até 500 mil reais na operação de um navio por aqui.
Será possível os nossos governantes reverem essas práticas anti-econômicas e nós voltarmos a ter um crescimento? Conseguiríamos voltar aos 20 navios da temporada 2010/2011 e trazer com eles todos os benefícios sociais e econômicos para o nosso país? Ou ir além e fazer como a China, que era um destino fora das conversas sobre cruzeiros e que hoje é um dos que mais crescem no mundo e é notícia em todas as revistas e sites especializados no assunto? Neste ano ocorreu uma reunião em Brasília com os principais responsáveis do setor, algo bom por mostrar que há uma movimentação para tentar reverter essa realidade. Vamos, mais uma vez, esperar para ver. Eu, quatro anos depois, mais uma vez não vejo um futuro promissor nos próximos anos.
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