Nos últimos cinco anos a oferta de navios no Brasil caiu 70%. E a culpa é do governo.
Mais uma vez indignado e com esperanças ainda menores, venho escrever sobre esse assunto...
Como todos nós já sabemos, o Brasil tem problemas sérios de infraestrutura, burocracia e altos custos de operação para armadoras e passageiros de cruzeiros. Quando escrevi em dezembro de 2013 uma publicação falando da preocupante situação dos cruzeiros no Brasil, o mercado estava muito melhor do que atualmente; a temporada 2016/2017 será a pior dos últimos anos com a saída sem previsão de volta de companhias tradicionais como a Royal Caribbean e a Pullmantur, sendo que esta última só vem devido a um fretamento. Diante disso o que já era preocupante ficou muito pior e, para a surpresa de todos, a Companhia Docas do Rio de Janeiro mostrou que é capaz de inclusive ameaçar o fim dos cruzeiros na sua cidade com a criação - ou melhor, invenção - de uma nova taxa portuária nunca vista antes na história dos cruzeiros.
Antes de comentar sobre como funcionará essa taxa, que já será cobrada na próxima temporada, vamos relembrar o atual contexto brasileiro para as empresas operarem seus navios:
"Ao chegar no Brasil, depois de escalar em alguns dos melhores terminais marítimos do mundo, na Europa, os passageiros encontram espaços muitas vezes improvisados ou estruturas antigas com pouca manutenção. Outro ponto desfavorável à operação dos cruzeiros no Brasil é o preço abusivo das taxas portuárias para a atracação dos navios. O valor pago no porto de Santos (SP) pela taxa de embarque é mais de três vezes o preço cobrado em Miami e o custo de praticagem em Salvador, o mais alto do mundo, chega a custar quase US$110 mil, enquanto em Barcelona, na Espanha, custa US$3,8 mil, segundo a Abremar (Associação Brasileira de Cruzeiros Marítimos)."
A (preocupante) situação dos cruzeiros no Brasil. Rodrigo Guerra - RG Cruzeiros (2013)
O injustificável custo de operação no Brasil é o responsável pela redução de oferta de navios e a saída de empresas que vão em busca de mercados mais lucrativos, já que, como critica Roberto Fusaro, presidente da Abremar, "operar cruzeiros turísticos no Brasil custa entre 50% e 100% mais que em
destinos da Europa e EUA. Taxas portuárias, custo da praticagem,
exigências trabalhistas e outros fatores tornam a operação menos
rentável.” Desde a chegada do Splendour of the Seas, no começo do milênio, a Royal Caribbean reclamava, assim como todas as demais companhias, sobre os custos absurdos do Brasil e nada foi feito. Isso foi decisivo para a empresa anunciar que a temporada 2015/2016 seria a sua última no Brasil. Com isso ela não tirou apenas a Royal Caribbean Cruise Line, mas também a sua divisão espanhola, a Pullmantur Cruceros, uma das preferidas dos brasileiros para mini-cruzeiros.
O resultado disso tudo é que para a temporada 2016/2017 apenas a MSC e a Costa Cruzeiros voltarão para a América do Sul - e com ofertas muito reduzidas. Inicialmente a MSC anunciara cinco navios, sendo quatro no Brasil e um na Argentina, porém algum tempo depois reduziu a quantidade total para 4 e agora o site da empresa mostra apenas três navios, o MSC Musica e o MSC Preziosa no Brasil e o MSC Orchestra para o mercado argentino. A Costa por sua vez anunciou o Costa Fascinosa e o Costa Pacifica. Além desses navios, a Norwegian Cruise Line vai se arriscar pela primeira vez aqui, trazendo o Norwegian Sun; e o Sovereign, que não ia mais voltar ao Brasil se dependesse da Pullmantur, só vem porque foi fretado pela CVC. Em 2011 eram 20 navios navegando nos nossos mares. Cinco anos depois são esperados apenas seis.
A nova taxa criada no Rio de Janeiro
A Secretaria Especial de Portos, a pedido da Companhia Docas do Rio de Janeiro, criou uma nova taxa que deverá ser paga pelas companhias de cruzeiro que atracarem seus navios fora da chamada área de arrendamento, composta por um espaço para dois navios simultaneamente. O valor a ser cobrado já na próxima temporada é de R$ 30,87 por passageiro que estiver embarcando e desembarcando e R$ 22,45 para aqueles que estiverem em trânsito. Uma novidade inédita é que essa taxa também será cobrada sobre os tripulantes dos navios! Isso que é desespero para ganhar mais dinheiro sem fazer nada!
A cobrança dessa taxa sobre todos os navios que atracam fora da área de arrendamento significa que nos dias em que o porto do Rio receber três ou mais navios, todos, com a exceção de dois, irão pagar essa taxa. Vale lembrar que no Carnaval a cidade recebeu 11 navios simultaneamente. Para piorar a situação, as empresas de cruzeiros só ficam sabendo bem próximo da data da escala quantos navios estarão no porto e o berço onde irão atracar, fazendo com que elas não saibam se irão ou não ter que pagar esse valor extra! Sem poder se programar, não será surpresa se várias paradas e embarques na cidade forem cancelados. Essa incerteza sobre onde o navio irá atracar inclusive foi motivo de irritação por parte da MSC na temporada passada, uma vez que o porto colocou os navios internacionais (que estavam passando apenas uma vez na cidade) bem na frente do terminal de cruzeiros, enquanto o MSC Lirica, que estava realizando processo de embarque e desembarque com grande movimentação de bagagens, foi colocado muito distante do terminal, gerando atraso em todo o processo e fazendo com que a empresa emitisse uma nota de indignação.
A presidente da Associação Brasileira de Agências de Viagens do Rio de Janeiro (Abav-RJ), Teresa Cristina Fritsch, emitiu uma carta convocando diversos órgãos da área do turismo para impedir a cobrança dessa taxa. Confira algumas partes dessa carta, compartilhada na íntegra pelo Panrotas:
Exemplificando: se, em uma determinada data, o Píer receber um terceiro navio com 4 mil passageiros desembarcando e outros 4 mil embarcando, o armador terá que pagar para a CDRJ cerca de R$ 246.000,00. Somando a esse valor os passageiros em trânsito, chegamos a um total de R$ 335.800,00. E nesse custo não estão inclusos os tripulantes.
Vale destacar que todos os custos portuários cobrados das armadoras, por intermédio do Píer Mauá, tem um adicional de 20% destinado à CDRJ, como pagamento referente ao uso da infraestrutura. Existe, ainda, um contrato entre as partes que foi quebrado, uma vez que o Pier Mauá só tomou conhecimento da criação desta nova taxa quando a resolução foi publicada. Foi uma decisão unilateral da CDRJ. A mesma resolução cria, ainda, uma nova taxa pelo uso do suprimento de água, sendo que o serviço é realizado por barcaças que atracam a contra bordo dos navios e não há utilização de nenhuma área ou da infraestrutura da CDRJ.
A incidência de tributos como PIS e Cofins sobre o combustível, questões trabalhistas, como a exigência de contratação de 25% de mão de obra brasileira por navios estrangeiros, e a praticagem oneram a operação no país. Além disso, os portos cobram dos navios taxas como as de embarque, desembarque, trânsito e atracação.
Teresa destacou ainda, na longa carta, que o mercado de cruzeiros movimentou mais de 120 bilhões de dólares no mundo apenas no ano passado, mostrando como os navios são importantes especialmente para a atual economia fragilizada do Brasil. Como exemplo, o Centro de Artesanato de Pernambuco, localizado no porto do Recife, vendeu quase 600 peças quando o Rhapsody of the Seas chegou à cidade no começo da temporada, um aumento de 50% no
número de vendas. E isso é apenas um dos estabelecimentos beneficiados com a chegada dos navios.
Mais uma vez o Governo parece não entender que está andando na contramão da economia. Medidas como essa deveriam ser rapidamente vetadas e uma reformulação das taxas e burocracias precisa ser feita urgentemente. O Brasil é um país com uma imensa costa banhada pelo Atlântico, tendo um grande potencial no mercado de cruzeiros mundial. Com medidas como essa o país está desesperadamente tentando aumentar seus lucros, mas uma regra básica da economia deixa claro que é preciso encontrar o equilíbrio de preços. Se os valores cobrados são muito altos, isso aumenta a lucratividade no curto prazo, mas rapidamente as empresas procuram outros destinos muito mais viáveis, fazendo com que o Brasil possa inclusive passar a não receber mais nenhum navio em um futuro próximo. Resultado? Terminais que custaram milhões de reais dos cofres públicos ficarão sem uso, dando apenas prejuízos, e milhões de dólares deixarão de circular todos os anos na nossa economia. Só quando pesar nas contas públicas é que o governo vai perceber que as medidas tomadas foram as mais antieconômicas possíveis.
Copyright © all rights reserved. Imagens e Textos com direitos reservados. Rodrigo Guerra
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